10/07/2025

Receita Federal torna transação tributária mais criteriosa e trabalhosa

Por: Danilo Vital
Fonte: Consultor Jurídico
Ao editar a Portaria RFB 555/2025, no dia 1º deste mês, a Receita Federal
tornou o procedimento administrativo de transação tributária mais criterioso,
porém mais trabalhoso, por transferir o ônus argumentativo ao contribuinte.
Essa análise é dos advogados tributaristas ouvidos pela revista eletrônica
Consultor Jurídico sobre as normas que substituem a Portaria RFB 247/2022.
Na prática, a Receita reproduziu uma série de procedimentos que já são
adotados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) desde a edição
da Portaria PGFN 6.757/2022, que regulou a transação de créditos tributários
já judicializados.
O órgão, por exemplo, incorporou no artigo 19 da portaria os critérios da
PGFN para avaliar a possibilidade da transação, baseados em recuperabilidade
da dívida tributária e capacidade de pagamento do contribuinte.
A Receita ainda estabeleceu a própria discricionaridade para aceitar propostas
de transação, autorizar o uso de créditos e analisar eventuais fraudes, além de
estabelecer obrigações de documentação e transparência pelo contribuinte.
Cuidado, contribuinte
Para Júlio César Soares, sócio da Advocacia Dias de Souza, a nova norma
alinha-se a uma tendência de racionalização do contencioso administrativo, mas
o faz pela via do endurecimento técnico e procedimental.
“Trata-se, em última análise, de uma medida de prudência fiscal compreensível
no contexto de necessidade arrecadatória, mas que exige do contribuinte a
demonstração de inexistência de fatos e atos que seriam cabíveis, em última
instância, à atuação da própria Receita Federal. E se o ônus para adesão for
excessivo, o objetivo da norma acabará esvaziado”, alerta ele.
Julia Rodrigues Barreto, advogada da área tributária da banca Innocenti
Advogados, cita outras novidades estabelecidas na portaria: a manutenção da
regularidade fiscal durante todo o acordo; a previsão de descontos e
parcelamentos mais longos; e a imposição de consequências rigorosas por
descumprimento, como a rescisão e o impedimento para novas transações.
“Essas mudanças tornam o processo de negociação tributária mais criterioso,
exigindo maior preparo e planejamento por parte do contribuinte.”
Prejuízo fiscal e base negativa
O maior exemplo da transferência do ônus argumentativo ao contribuinte está
na restrição ao uso de prejuízo fiscal e base negativa da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL), exatamente o que a PGFN já faz desde 2022.
As empresas que operam no sistema de lucro real podem registrar esse prejuízo
fiscal e a base negativa de CSLL nos exercícios fiscais em que as despesas
superam as receitas. E esses valores não se perdem: são usados para abater o
lucro tributável, base de cálculo do IRPJ e da própria CSLL.
A partir de agora, a Receita Federal só vai aceitar essas deduções se o
contribuinte comprovar que elas são imprescindíveis para o cumprimento do
plano de pagamento. Segundo Marcio Alabarce, sócio do escritório Canedo,
Costa, Pereira e Alabarce Advogados, isso abre espaço para critérios que não
sejam uniformes entre os contribuintes.
“Por outro lado, reforça a importância de as empresas em dificuldade terem
maior cuidado na elaboração das demonstrações contábeis, pois é a partir delas
principalmente que se poderá demonstrar a importância do uso desse crédito
para a viabilidade de uma transação.”
Priscila Regina de Souza, tributarista do Loeser e Hadad Advogados, destaca
que o indeferimento da utilização dos créditos de prejuízo fiscal e de base de
cálculo negativa da CSLL resultará no pagamento à vista, em 30 dias, do saldo
devedor amortizado indevidamente com os créditos não reconhecidos,
acrescido de juros de mora.
Para ela, a norma é motivo de preocupação “porque a referida análise e
respectiva aceitação ficarão a critério exclusivo e, logo, subjetivo, da Receita
Federal do Brasil. Em sendo assim, caberá ao contribuinte demonstrar
documentalmente que sem a utilização desses créditos, não teria outra opção
de aderir ao cumprimento das demais normas para plena adesão da transação”.
Transação tributária na RFB
“A demonstração de que seja ou não imprescindível é muito subjetiva, o que
dificulta o uso de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL e, consequentemente,
desestimula a celebração da transação tributária. Essa foi a mudança de maior
impacto. Essa restrição já existia para as transações na PGFN, mas não na
RFB”, aponta Julio Cesar Vieira Gomes, sócio do Julio Cesar Vieira Gomes
Advocacia e ex-secretário da Receita Federal.
Já Júlio César Soares entende que, embora a comprovação da
imprescindibilidade do uso de prejuízo fiscal e da base negativa de CSLL não
esteja formalmente tipificada, é possível vislumbrar alguns critérios para análise
pela Receita:
— Apresentação de plano de recuperação fiscal detalhado (artigo 32, III)
demonstrando que, sem a utilização dos créditos, a equação da dívida não se
sustenta financeiramente;
— Demonstrações contábeis e fluxo de caixa projetado (artigos 32, parágrafo
1º, e 33) que evidenciem o comprometimento da capacidade de pagamento sem
a aplicação dos créditos;
— Eventualmente, laudo técnico subscrito por profissional habilitado,
conforme facultado pela Receita Federal.
Alberto Medeiros, sócio do Carneiros Advogados, por fim, reconhece que a
transação tributária administrativa ficará menos atrativa para os débitos
inscritos na dívida ativa da Receita em relação aos do âmbito da PGFN, mas
elogia o esforço normativo.
“Essa portaria veio para equalizar os parâmetros de transação no âmbito da
Receita e no âmbito da PGFN, o que eu vejo com bons olhos, porque isso
demonstra que a transação no âmbito da Receita está ganhando importância e
há um futuro a ser trilhado, assim como na PGFN.”